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"isso é escrever. tira sangue com as unhas. e não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. você não está com medo dessa entrega? porque dói, dói, dói. é de uma solidão assustadora. a única recompensa é aquilo que laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. essa expressão é fundamental na minha vida."
(caio fernando abreu)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

tinto

tudo aquilo que meus ouvidos captavam do seu tom de voz me faziam, literalmente, não estar ali. tuas palavras tinham o poder de teletransportar-me para lá, pra dentro de tua boca, onde poderia me engalfinhar com tua língua. teu olhar por cima daqueles óculos de armação brega e ultrapassada me faziam enojar-te ainda mais. o teu ar de sabichão, tuas sobrancelhas envergadas e tuas críticas infundadas sobre a carta de vinhos me faziam regurgitar você e... te desejar ainda mais.
teu cabelo sem corte, teu tênis gasto, sua blusa encardida e tua barba por fazer me irritam profundamente, e tudo isso é tão lindo e... hum... apetitoso... e... ponto pra você! nesse jogo doentio, quem sempre sai ganhando é você, com este carisma torto, esta inteligência manca, este teu gosto duvidoso, esta maldita má-educação e teus quereres mimados.
e quanto a mim... não te preocupes: eu fico aqui, como sempre fiquei, comendo as migalhas que caem de tua farta mesa. aceito a minha condição. o bom disso tudo, é que és generoso. sim, sempre me deixas de lembrança a rolha do melhor tinto da carta de vinhos que cisma em criticar todos os dias com o peito estufado e birra na alma.

o vinho que bebes? é doloroso perceber que se trata de algo meu, que se trata de algo inteiramente vital pra mim, e, com o coração explodindo de medo e cansaço peço: afaste de mim esse cálice... este cálice que brindas todos os dias, este cálice de um triste vermelho-tinto de sangue.

sangue-meu.

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