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"isso é escrever. tira sangue com as unhas. e não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. você não está com medo dessa entrega? porque dói, dói, dói. é de uma solidão assustadora. a única recompensa é aquilo que laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. essa expressão é fundamental na minha vida."
(caio fernando abreu)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

alinhar à direita-esquerda


não sou o que você quer ver
e muito menos o que você espera de mim
sou apenas uma gota no meio
de toda esta tempestade que é o viver
e só espero um dia te impactar
te encontrar no meio de você mesmo
entre seus paradigmas infundados
entre o que você projetou para você
que tenho plena certeza
que nem é tão bom assim quanto você acha

quero te fazer provar outras verdades-mentirosas
te fazer delirar em meio a tantas outras coisas que ainda não sabes
te impactar, meu bem, é o que desejo todos os dias

que o meu sabor ardido
o meu cantar tempestuodo
e que o meu mal-dito cheiro chegue até a ti
em forma de poesia desconexa, em forma de amor tremeluzente

que eu te desalinhe
ora para esquerda
ora para a direita

e que o tempo faça o resto
que o tempo faça tudo.



priscilla nunes não sabe qual é a diferença entre direitas e esquerdas.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

metamorfose

as cores matinais realçavam seu olhar marrom-claro. os raios distorcidos do sol destacavam as linhas irregulares de um verde jamais visto no olhar de adelaide. era certo que existia uma certa estranheza em seus pequenos olhos. era desproporcional o caminho traçado pela força da queda d'água que a inundara na madrugada anterior. o que se via hoje, depois do café, era tão somente as marcas do devastador córrego. as cortinas alaranjadas do quarto de adelaide ganhavam um contraste hipnotizante com o sol das 6h15. e foi, exatamente este show silencioso que fez com que a cascata em seu olhar simplesmente falecesse - aquela cor era a personificação da esperança.

adelaide passou a madrugada inteira a pensar na tal lagarta azul que virara borboleta. pensou na beleza do poder de transformação e como deve ser dolorido acreditar que aquele período de reclusão é necessário para algo maior. constatou que para evoluir é preciso deixar-se evoluir, e que não há macete algum para fugir disto. não existe evolução sem dor, sem renúncia, sem casulos. evolução só existe com rEvolução, sucção e desapego. permissão.

num súbito acordar de um triste sonho-bom, adelaide começou a exercitar o fio de esperança que ainda existia dentro de si; e decidiu que antes de forrar o estômago pela manhã, pensaria no mínimo em 6 sonhos impossíveis¹.

a fonte secou de vez.
fez-se ali, entre raios alaranjados e disformes, um pacto de esperança entre adelaide e o destino.

adelaide está no casulo.

¹ em "alice no país das maravilhas", 2010.

lixo

caraca!
tudo o que escrevo é trash
é lixo!
e lixo, se joga no lixo!

o ponto central que estou tentando poematizar desde ontem
é que eu gosto de você
sim... eu gosto de você!
mais do que devia? sim!
e ninguém tem nada a ver com isso
inclusive essa minha necessidade de tentar firular tudo... caçildes!

e é por isso que há um estranho bater de asas dentro de mim quando te vejo
e não preciso te ver não! bastar escutar teu nome, ou pensar em você para a "bateção" de asas recomeçar!

pronto, falei. e não precisou de palavras bonitinhas.
me desculpe por este lixo
você merece um céu estrelado
e a certeza de um futuro certo, meu bem.



adelaide estava nervosa com essa falta de criatividade
e escreveu batendo com muita força no teclado.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

anseio de adelaide


que sorriso é este, adelaide? que sorriso é este que brota dos olhos teus?
que música repetitiva é essa, que não sai do teu cantar?

são teus! são teus pois estou condenada a isto
e o pior de tudo, é que desejo esta condenação como ao ar!
desejo preservar e adornar a página do teu aniversário, segurar em tuas mãos, saber sua cor preferida, o sabor do teu dentifrício, teus sonhos, loucuras, medos... 
desejo ter-te para mim, meu bem (meu mal)
desejo muito mais do que tens me dedicado...

depois desta declaração,
a única coisa que sei foi que
o tempo fechou para adelaide...
pelo menos desde que aquela porta se fechou.


adelaide é aquela que espera.

domingo, 25 de abril de 2010

voa-tempo

invoco-lhe, ó tempo
tu que és o ditador de todas as resoluções
não te tardes em intervir em minha causa!
não tardes! pois cada grão de areia atrasado acabam por consumir-me

rogo-lhe, ó tempo!
tendes piedade de mim
sou tão invisível assim para que me ignores?
a dor da tua espera é demais
meu coração já não suporta mais
meus olhos (que constumam ser irrigados)
rachados estão!
o que estás a tramar?
o que estás a fazer que não vens logo para mim?

não sejas rude, hipócrita!
parta logo, leve consigo toda a incerteza maldita
me traga a respiração!
pois cada parcela de segundo faz o favor de sufocar-me em mim mesma
ordene meu sangue correr novamente!
pois ele parado está, esperando por sua solução
vai embora daqui, corra! voe para longe!

preciso que escorra rapidamente, não entendes?
anseio loucamente pelo amanhã...
pois sei que nele encontrarei a paz que tanto quero.


~ mãe, eu te amo... muito.
rogo ao tempo por ti. ~

páginas de adelaide


era um dia de novidade, de esperança.

ela sabia que ele estaria lá e que talvez aquela noite fosse uma noite sem igual. o ano está passando rápido demais, constatou ela. constatou com clareza porque tinha o costume de arrancar as folhas da agenda quando os dias já tinham se tornado “ontem demais” para continuar pesando em sua bolsa.

tinha esperança não só porque ele estava lá (o que bastava para ela já que seus dias eram consumidos pela vontade de se achegar a ele), mas porque ela acreditava que poderia deixar aquela página intacta, já que de vez em quando é bom ter “ontens” para se carregar na bolsa.

o dia passou como outro qualquer, como aqueles em que a página vai parar na lixeira no final do dia. adelaide, a "ela", se adornou como nunca - colocou de lado sua baixa auto-estima e, pela primeira vez, acreditou em si: batom cor de carne, sombra pérola-negra, perfume com notas transparentes (qualquer ponto em comum é mera coincidência) e treinou horas-à-fio com o espelho um discurso de aproximação.

é, não tenho como fugir, indagou. é agora (preferiu deixar o “ou nunca” para um outro momento).

adelaide emergiu no salão, e silenciosamente podia-se ouvir um "oooh". entre saudações, burburinhos (o que ela faz aqui?), polaróides urbanas e espasmos, seus olhos não viam nada nem ninguém além dele. o ambiente era escuro, faiscado por alguns néons e sons, mas a sua figura era demasiadamente mais atraente que tudo... seus olhos eram como faróis fortes em uma estrada escura... hipnotizante.

alto, mediano, moreno, olhos de piedade, mãos compridas e sorriso cheio de dentes... haveria, pois, exemplar mais desejável? ele não usava perfume, mas o seu cheiro invadiu os olhos de adelaide e sua boca, pela primeira vez, chorou. bastou apenas um encontro de olhares para que seus pés (como havia calculado por a+b o dia inteiro) gravasse no meio do salão uma cratera que nem mesmo um terremoto com 9,8 pts na escala richter conseguiria provocar e... desde daquele momento, ela saberia que o silêncio e a impotência a tomaria por completo.

adelaide procurou a noite inteira se achegar, procurar de alguma forma sentir aquele cheiro sem sabor, aquele sabor sem gosto e aquele gosto sem sal, aquele sal sem mar... mas, o silêncio se fizera a partir do momento que ela se deixou perder a esperança.

tudo que adelaide queria era escrever na agenda era: “ele cantou para mim! ele cantou a minha música...”

“o que eu entendo por ser meu,
é tudo o que eu posso te dar...
o meu amor, mas primeiro eu
preciso saber se você vai gostar
deixa o sentimento te falar
vou mostrar que sou alguém melhor
não vai se arrepender
porque eu não vou deixar você chorar por mim
do meu lado, agora em mim”¹

mas isso não aconteceu. ela até chegou a sentar do lado dele, mas...  nem um pio sequer que seja rompeu da boca de adelaide para ele. e a noite silenciosa continuou: sem ré com sétima, sem fá, sem bemol, sem mi menor e, sobretudo, sem dó.

coitada de adelaide... e, diferente fim não foi dado a coitada da página, que fora arrancada sem dedicatórias, como todas as outras.

¹: adelaide - mombojó



adelaide é aquela que quer ter a agenda inteira.

sábado, 24 de abril de 2010

água viva

"É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de raciocínio – já estudei matemática que é a loucura do raciocínio – mas agora quero o plasma – quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é feito por mim? Ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração. E com uma desenvoltura de toureiro de arena. Eu te digo: estou tentando captar a Quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tomou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato do amor – pela límpida abstração de estrela do que se sente – capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de como, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes – e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do como, faiscante no alto, alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante. E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é".

ÁGUA VIVA, CLARICE LISPECTOR

o grito (skrik)

 
O Grito (skrik) - 1893
Edvard Munch

arranhe... arranhe-me a garganta, meu bem
venha! e me tome, me arrepie, me enlouqueça
tú sabes que me mandas, que me coordenas
tú és navalha cortando-me a carne
delicioso, entorpecente és tú!
chegastes reivindicando espaço, lugar, e tudo aquilo que não se deve nomear
capricho? pode ser...
só sei que minha língua arde para te satisfazer
venha, e me leve para aquele lugar onde o céu é laranja e grenar
naquela doca onde pode-se ver o entardecer de 1893

não venha com lero-lero... venha ligeiro, meu bem maior
sem convenções, vai!
tú bem sabes que minha boca por ti faz "O"
tens platéia! não estas sozinho
tens dois para te ouvir e
um lago para te dissipar...

só não me ensurdeça, ó grito
não me deixe esquecer a razão com teu estridente som
venha e acabe com essa angústia que me enlaça! venha me libertar (...)

sem mais nada a esperar...
minhas mãos irão neste insano devaneio me assegurar.

água salgada


que água salgada é essa que me embaralha a visão?
enxame de sentimento, debulhar de emoção
esta água salgada é o resultado do momento
das parcelas de segundo que são passíveis de percebimento
elas surgem por ausência, dor, frustração, preocupação, ciscos
surgem por falta de paciência, latência e novos discos
surgem por você não estar em meu espaço
surgem por conta da ardência utópica do meu pensar vago

água salgada... gostaria que surgisse em outro espaço-tempo
em outro entardecer, como se fosse um leve vento
água salgada, surja em outra aurora boreal, em outro carnaval
pois só queria derramá-la por bem, e não por mal.