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"isso é escrever. tira sangue com as unhas. e não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. você não está com medo dessa entrega? porque dói, dói, dói. é de uma solidão assustadora. a única recompensa é aquilo que laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. essa expressão é fundamental na minha vida."
(caio fernando abreu)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

metamorfose

as cores matinais realçavam seu olhar marrom-claro. os raios distorcidos do sol destacavam as linhas irregulares de um verde jamais visto no olhar de adelaide. era certo que existia uma certa estranheza em seus pequenos olhos. era desproporcional o caminho traçado pela força da queda d'água que a inundara na madrugada anterior. o que se via hoje, depois do café, era tão somente as marcas do devastador córrego. as cortinas alaranjadas do quarto de adelaide ganhavam um contraste hipnotizante com o sol das 6h15. e foi, exatamente este show silencioso que fez com que a cascata em seu olhar simplesmente falecesse - aquela cor era a personificação da esperança.

adelaide passou a madrugada inteira a pensar na tal lagarta azul que virara borboleta. pensou na beleza do poder de transformação e como deve ser dolorido acreditar que aquele período de reclusão é necessário para algo maior. constatou que para evoluir é preciso deixar-se evoluir, e que não há macete algum para fugir disto. não existe evolução sem dor, sem renúncia, sem casulos. evolução só existe com rEvolução, sucção e desapego. permissão.

num súbito acordar de um triste sonho-bom, adelaide começou a exercitar o fio de esperança que ainda existia dentro de si; e decidiu que antes de forrar o estômago pela manhã, pensaria no mínimo em 6 sonhos impossíveis¹.

a fonte secou de vez.
fez-se ali, entre raios alaranjados e disformes, um pacto de esperança entre adelaide e o destino.

adelaide está no casulo.

¹ em "alice no país das maravilhas", 2010.

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