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"isso é escrever. tira sangue com as unhas. e não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. você não está com medo dessa entrega? porque dói, dói, dói. é de uma solidão assustadora. a única recompensa é aquilo que laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. essa expressão é fundamental na minha vida."
(caio fernando abreu)

sábado, 22 de maio de 2010

magnólia


"era uma cinza-empoeirada tarde de 1942, quando aqueles arbutos de concreto projetaram em seu rosto aquela sombra gélida e negra. não sei se por obra do destino, ou não, meus olhos encontraram com os seus. não pude me conter com sua face envelhecida, cheia de marcas do tempo. mas, de uma coisa eu tinha certeza: seus olhos eram os mesmos. aqueles dois mundos negros por quem me apaixonei na juventude. te perguntei pela vida e nada me dissestes. talvez, sua história tenha sido silenciosa como a minha. como eu queria voltar atrás, como eu queria, minha magnólia. 
queria tê-la em meus braços pelo menos uma vez, beijar seus lábios, concordar com seus sonhos e projetos para nós dois. como eu queria, magnólia. como eu queria voltar no tempo, teletransportar-me para 1888, quando pela primeira vez te vi e, disse para mim mesmo que o meu amor por você seria para sempre; quando seus cabelos ainda eram negros e sua pele sedosa como o vento. queria ter podido acreditar que você me amava da mesma forma, com a mesma intensidade, mas... tudo passa. tudo passou e tudo o que passa, irremediável é.
hoje, constato, cheio de infelicidade, que a única coisa que me restou foi a lembrança dos teus olhos e, todo o resto de mim são os escombros da minha decisão - decisão de não ter dito, nem ao menos uma vez, que te queria para sempre junto de mim."

joaquim morreu em uma noite cinza-empoeirada de 1942 e 
me visitou esta noite, me chamando de magnólia.

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